Em entrevista à agência Lusa, por ocasião do 30º aniversário da associação, Matilde Cardoso analisou a atual situação social, referindo que a Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas Sem-Abrigo(ENIPSSA) tem funcionado em alguns aspectos, noutros tem sido mais difícil, afirmando que não é muito crítica "porque há coisas que são muito difíceis de resolver".
"Acho que vai haver sempre pobreza, sempre houve pobreza e a pobreza reflecte-se em várias situações. Se os sem-abrigo em Lisboa, há uns anos atrás, não eram um problema, é porque fomos capazes de o fazer e o contexto económico nacional e internacional foi capaz de resolver e ajudar essa situação", argumentou.
Especificamente em relação às pessoas que vivem em situação de sem-abrigo, a presidente da CAIS disse que os números são inequívocos em demonstrar que este fenómeno tem vindo a aumentar.
A este propósito, recordou a recente contagem efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa, que deu conta de um "aumento muito significativo" na cidade.
"É uma realidade", afirmou, concordando que esta é também a perceção da associação.
"Basta andar pela cidade e ver a estação do Oriente, que é horrível, e outras zonas. Mas nós não temos capacidade de medir, mas quem tem capacidade de medir, de contar, isso prova que de facto aumentou, com certeza", considerou.
Migrantes
Matilde Cardoso afirmou que "há muita gente a viver na rua que não é portuguesa" e acrescentou que, entre as várias centenas de pessoas apoiadas pela CAIS em 2022 e 2023, cerca de 15% são migrantes, um número que, disse, "está a aumentar", embora ainda não tenha dados para 2024.
Para a responsável, a solução não passa por medidas restritivas à migração, mas sim por receber "todas as pessoas", dando-lhes as condições mínimas para que possam viver no país.
"Acredito que se nos prepararmos e tivermos uma estratégia clara do que queremos fazer e de como estas pessoas podem contribuir para [resolver] os problemas que temos com a falta de mão de obra ou com o envelhecimento da população", defendeu.
Por outro lado, disse acreditar mais na necessidade de o país ter a capacidade de se adaptar e criar condições para acolher os migrantes da melhor forma possível.
Ainda em relação ao aumento do número de pessoas em situação de sem-abrigo, a presidente da CAIS defendeu que não se pode olhar para esta questão sem considerar o contexto económico e lembrou que Portugal passou por uma "crise económica muito forte", da qual ainda não saiu. Salientou que, apesar de as pessoas que são encaminhadas para a CAIS já não viverem na rua, muitas continuam a viver em situações precárias, seja num quarto alugado ou em casa de um amigo, e que isso "é um problema" porque mostra que o trabalho que têm não é suficiente para poderem alugar uma casa. Perante uma realidade que hoje é "diferente", Matilde Cardoso defendeu que é necessário "saber reagir aos problemas em cada momento". "A pobreza vai sempre existir. O que temos de fazer é ter a capacidade de reagir, encontrar soluções para que seja menos grave e afecte menos pessoas", defendeu, dando como exemplo que, apesar de a questão da migração ser discutida há "alguns anos", o país não se preparou para esta realidade.