Quando D. Afonso Henriques se tornou o primeiro rei de Portugal, no ano de 1143, teve a sorte de herdar uma infraestrutura substancial através das culturas de duas grandes civilizações que tinham valorizado a água tanto quanto os metais preciosos.
Durante cerca de sete séculos, os romanos construíram estradas e pontes para ligar os fortes, as fábricas e as povoações que mudaram a economia ibérica e melhoraram consideravelmente a higiene da população, instalando banhos e instalações sanitárias às quais a água era levada, se necessário, por aquedutos.
Mas estas preocupações com a saúde pública caíram por terra com a queda do Império Romano do Ocidente, por volta do ano 500, e a sua substituição pelos visigodos e suevos como novos governantes da Península. Estes não possuíam os conhecimentos avançados de engenharia dos romanos e muitas das infra-estruturas caíram em desuso. Começou a idade das trevas!
No entanto, no ano de 711, os mouros invadiram e ocuparam quase todo o centro e sul da Península Ibérica, trazendo consigo os melhores sistemas de irrigação e conservação para a agricultura e introduzindo o conceito de canalização interior para as suas habitações que, muitas vezes, possuíam fontes no centro dos pátios
Créditos: Imagem fornecida; Autor: Patrimonio de Humanidade;
Tanto os romanos como os mouros construíam os seus palácios e vilas em locais elevados, perto de rios e lagos de onde se podia retirar a água para as necessidades quotidianas, mas o abastecimento potável consistia no armazenamento em cisternas e talhas da água da chuva recolhida nos telhados ou trazida das nascentes por condutas e aquedutos.
A drenagem das cozinhas e dos lavabos, através de condutas de pedra, conduzia a um sistema elementar de irrigação para distribuição aos pomares e às hortas e, em parte, a tanques aos quais se juntavam detritos florestais, resíduos orgânicos e fezes do gado e das latrinas portáteis.
Esta gestão rústica da água era grosseiramente eficaz na prevenção da propagação da peste mas, com o crescimento da população, as concentrações urbanas sem água canalizada e sem esgotos constituíam um terreno fértil para a peste, a lepra e outras doenças altamente contagiosas.As ruas estreitas tinham muitas vezes uma conduta pouco profunda onde se esvaziava o conteúdo dos cântaros e dos baldes de terra, e os peões eram avisados com o grito de "Gardy Loo" quando as descargas eram feitas dos andares superiores!
Felizmente, a ordem cristã de Cister formou muitos dos seus monges como engenheiros civis para a construção, em Portugal, de mosteiros, igrejas, lazaretos e castelos para as suas ordens militares e realeza, sendo um dos melhores exemplos do seu trabalho o Convento de Cristo, em Tomar, que ocupa uma posição dominante junto ao rio Nabão e que terá sido precedido de fortificações como um castro. A construção inicial do castelo, no século XII, teve como objetivo servir de sede à ordem religiosa dos Templários e a um mosteiro. Como o local não possuía poços, a água da chuva era recolhida dos telhados e através de um sistema de canais cortados na rocha para encher cinco cisternas.Estas, situadas sob o pavimento dos claustros e nas caves dos edifícios contíguos, distribuíam a água, através de um sistema de tubagens, aos dormitórios com as suas dependências sanitárias e às cozinhas e salas de trabalho dos monges.
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O saneamento foi amplamente melhorado no século XVI com a construção de um aqueduto de pedra de quase seis quilómetros de extensão, que trazia, por gravidade e por três comportas, água de excelente qualidade das nascentes das colinas próximas para encher um novo reservatório que reforçava o sistema existente e fornecia água potável aos dormitórios, ao refeitório e à cozinha. O escoamento destes pontos era utilizado em parte para a irrigação das hortas e do gado contido dentro dos muros e depois libertado para o exterior. O excesso das latrinas era alimentado em dois tanques de separação e libertado através dos muros do convento para servir de base a um composto misturado com detritos florestais e resíduos vegetais.Este engenhoso sistema foi copiado para muitos outros edifícios medievais e manteve-se parcialmente em funcionamento até há bem pouco tempo.
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A aldeia que cresceu entre o rio Nabão e as muralhas do castelo albergava, no século XV, uma população estimada em 800 almas, das quais cerca de metade eram judeus sefarditas, que trabalhavam como administradores das vastas propriedades dos Templários e construíram uma sinagoga que incluía um "mikveh" para os rituais de purificação por imersão total.Para isso, era necessário um abastecimento constante de "água viva", segundo a lei hebraica, mas não há registo de uma nascente nesse local, pelo que é uma questão de conjetura a existência de outro aqueduto nessa altura.
por Roberto Cavaleiro - Tomar, 11 de fevereiro, 2025