Desde logo, a obtenção de um número de contribuinte - um primeiro passo essencial para qualquer investidor ou pessoa que pretenda participar na economia portuguesa - continua a ser desnecessariamente complexo. Este processo desatualizado deveria ser um convite aberto ao investimento, mas, em vez disso, assemelha-se a um sistema que ergue barreiras onde elas não deveriam existir.

Este facto reconduz-nos a uma questão mais ampla: infelizmente, as políticas económicas portuguesas dão muitas vezes prioridade a tesouraria em caixa em detrimento do crescimento e da inclusão a longo prazo. Esta questão é mais evidente no quadro da tributação dos imóveis em Portugal. A habitação, um direito humano fundamental, está sujeita a impostos em todas as fases da titularidade, tornando-a excessivamente cara para todos, exceto para os cidadãos mais ricos.

Na compra de um imóvel, a tributação começa com o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e o Imposto do Selo (IS), cobrados no ato da compra. Estes impostos, aplicados de forma pontual, podem representar conjuntamente quase 9% para imóveis avaliados entre 316.772 € e 607.528 €, uma taxa que é das mais elevadas da Europa. Uma vez adquirido o imóvel, os proprietários são ainda obrigados a pagar o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que, nos prédios urbanos, varia entre 0,3% e 0,45% do valor patrimonial tributário do imóvel. Por fim, no momento da venda do imóvel, se não for reinvestido em habitação permanente, os vendedores estão sujeitos ao imposto sobre as mais-valias, que pode atingir uma taxa marginal de 48%. Por força deste sistema, o contribuinte é taxado em todas as fases: à entrada, enquanto é titular e à saída.

A consequência de uma carga fiscal tão pesada é clara: a habitação em Portugal é cada vez mais inacessível, especialmente para as famílias da classe média e para os jovens profissionais. Estas políticas criaram um mercado imobiliário que serve uma minoria privilegiada, marginalizando aqueles que não têm recursos financeiros para navegar neste sistema complexo e dispendioso. Não é de todo exagerado afirmar que é urgente fazer uma reavaliação crítica destes impostos se Portugal quiser resolver a sua crise de habitação.

Os desafios estendem-se para além da propriedade, abrangendo o mercado de arrendamento, que se tornou um alvo de descontentamento. Em cidades como Lisboa e Porto, as rendas atingiram níveis insustentáveis, devido a uma combinação da procura, ineficiências regulamentares e falta de oferta de habitação. As atuais medidas de controlo das rendas, embora bem-intencionadas, apenas agravaram o problema. Salvaguardar os cidadãos vulneráveis é fulcral, mas a regulamentação geral que congela as rendas anteriores a 1990 ao abrigo do Regime do Arrendamento Urbano distorceu o mercado, desencorajando o investimento em imóveis para arrendamento e reduzindo ainda mais a disponibilidade.

Além disso, o problema dos imóveis devolutos em Portugal continua por resolver. Estima-se que existam milhares de casas devolutas, relativamente às quais os bancos, seguradoras ou fundos de investimento estão a aguardar pelo momento certo para investir. Estes imóveis devolutos representam um recurso desperdiçado num país que se vê a braços com a escassez de habitação. Os decisores políticos devem tomar medidas decisivas para identificar estes imóveis e criar incentivos específicos para que os seus proprietários os coloquem no mercado, seja através do arrendamento tradicional, do alojamento local ou de iniciativas de habitação a preços acessíveis adaptadas às necessidades dos municípios.

O regime de Alojamento Local também ilustra a tensão entre a oportunidade económica e a ideologia política. Nos últimos anos, os governos de esquerda e de centro-esquerda implementaram medidas que restringem o crescimento deste setor, invocando preocupações com o excesso de turismo e o seu impacto nas comunidades locais. Embora alguns municípios, como Lisboa, possam de facto sofrer de uma saturação de unidades de alojamento local, outras áreas beneficiariam significativamente de um maior investimento no alojamento local. Os esforços recentes para conferir aos municípios poderes para regular o setor constituem uma solução promissora, permitindo uma abordagem mais equilibrada que tenha em conta as necessidades e capacidades locais, mas são ainda necessárias medidas mais eficazes.

Para além destas situações complexas, soma-se ainda o destino do outrora elogiado programa Golden Visa de Portugal, uma iniciativa de residência por investimento que anteriormente atraía capitais estrangeiros substanciais. Ao longo da última década, este programa contribuiu significativamente para a reabilitação urbana e o investimento imobiliário, impulsionando o crescimento económico em cidades de todo o país. No entanto, sob pressão da ideologia de esquerda de retórica populista, o programa tem vindo a ser progressivamente desmantelado. Os críticos argumentam que o programa Golden Visa agravou a crise da habitação ao fazer subir os preços dos imóveis, mas isso simplifica demasiado a questão. Em vez de eliminar a componente imobiliária do programa, porque não reformá-lo de modo a direcionar o investimento para projetos de habitação a preços acessíveis ou para regiões carenciadas? Esta abordagem poderia alinhar os objetivos do programa com objetivos sociais e económicos mais amplos, promovendo o crescimento inclusivo em vez de o sufocar.

Estas oportunidades perdidas são agravadas pelos elevados custos associados às novas construções em Portugal. Os promotores imobiliários enfrentam uma série de impostos, taxas e obstáculos burocráticos que aumentam significativamente os custos dos projetos. O principal deles é o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) sobre a construção, atualmente fixado em 23%. A redução desta taxa para 6% proporcionaria um alívio imediato aos promotores imobiliários, reduzindo potencialmente o custo final das novas casas. No entanto, uma medida deste tipo deve ser cuidadosamente estruturada para garantir que os ganhos sejam transferidos para os compradores e não absorvidos pelos lucros dos promotores. Uma solução possível é sujeitar as vendas de imóveis ao IVA, associando a taxa reduzida de 6% à exigência de que os preços de venda finais reflitam a menor carga fiscal.

A crise da habitação em Portugal não é apenas uma questão de oferta e procura; é um reflexo de questões estruturais mais profundas dos sistemas económico e político do país. Portugal continua a ser um país relativamente pobre e improdutivo, mas continua a desperdiçar oportunidades de crescimento sob o pretexto de pureza ideológica. Sucessivos governos, movidos por ideologias de esquerda e centro-esquerda, têm sistematicamente minado iniciativas que poderiam trazer riqueza e prosperidade à nação. O desmantelamento do programa Golden Visa, a erosão dos incentivos à reabilitação urbana e a tributação excessiva dos imóveis são emblemáticos desta abordagem míope.

O caminho a seguir é claro, mas difícil. Os decisores políticos devem dar prioridade a soluções pragmáticas em vez de adotarem posturas ideológicas, concentrando-se em medidas que atraiam investimento, incentivem a promoção imobiliária e tornem as casas mais acessíveis para todos. Reduzir o IVA da construção, reformar os regimes de arrendamento e revitalizar o programa Golden Visa são os primeiros passos nesse sentido.

Escrito por Tomás Arantes e Oliveira, Associado Sénior da CCA Law Firm - www.cca.law