A identificação dessas irregularidades consta do parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado (CGE) de 2023, submetido ao parlamento, com o órgão liderado por José Tavares a alertar que o apoio à renda — medida lançada em 2023 para mitigar o aumento dos custos de habitação — “mostra riscos que podem afetar a veracidade da alocação, a precisão do cálculo e consequentemente a correção do pagamento”.

O documento afirma que em 2023 esse apoio atingiu 258.661 beneficiários, envolvendo uma despesa pública de 350 milhões de euros, sendo que o apoio anual concedido ascendeu a cerca de 1.351 euros por beneficiário.

Na análise da medida, foram identificadas “não conformidades e outras situações na sua implementação”, incluindo o facto de o pagamento do apoio ter sido registado para “32 beneficiários não residentes em território nacional”, existindo também “2.867 residentes não habituais” que dele beneficiaram.

Entre as não conformidades foram também detetadas as situações de 35.229 beneficiários a quem o apoio foi concedido mas não pago e o não pagamento dos valores relativos a dezembro de 2023.

Em causa está um apoio cujo valor máximo pode ir até 200 euros por mês, para contratos de arrendamento registados até 15 de março de 2023, destinados a famílias cuja taxa de esforço de arrendamento exceda 35%. Uma das condições para a concessão do benefício é que o beneficiário deve ser residente fiscal em Portugal

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Apesar das melhorias introduzidas no suporte com mudanças na legislação que ocorreram entretanto, a análise do TdC aponta alguns riscos na operacionalização da medida, como o fato de o universo ser definido apenas anualmente, sem quaisquer atualizações planejadas à luz de mudanças na informação, o que pode “levar ao pagamento de apoios que não são mais devidos face às mudanças ocorridas, bem como excluir do suporte situações que surjam posteriormente.”.

O facto de a declaração anual do IRS ser usada para avaliar a taxa de esforço também apresenta fragilidades, uma vez que existe “um grande lapso de tempo em que a situação financeira dos inquilinos pode ter sofrido alterações significativas”.

“Usar o valor do aluguel declarado quando o contrato foi registrado introduz distorções, especialmente em contratos mais antigos, uma vez que esse aluguel não reflete aumentos que possam ter ocorrido entretanto”, lê o parecer, que afirma que, embora os beneficiários possam adicionar novas informações, isso “não altera o fato de que o cálculo inicial é feito com informações que podem estar desatualizadas e para as quais existe uma melhor fonte de informação, como recibos de aluguel emitidos pelos proprietários”.

Além disso, as informações sobre o domicílio são declarativas e não estão sujeitas a validação específica, e também se observa que não há controle sobre situações de compartilhamento informal de moradia.

“Portanto, seria benéfico para determinar o universo se houvesse a possibilidade de tal validação, nomeadamente identificando todas as pessoas que têm residência fiscal no imóvel que está sendo calculado (e que não estão inscritas no contrato de aluguel), com o compromisso do próprio beneficiário”, afirma o documento.

A análise do TdC concluiu ainda que 25,1% do total de beneficiários receberam o apoio máximo de 200 euros, enquanto 20,8% receberam entre 110 e 200 euros, 17,5% entre 80 e 110 euros e 13,1% entre 50 e 80 euros, com o restante recebendo apoio mensal de menos de 50 euros.