Segundo o Tribunal Constitucional(TC) português, foram destacadas seis normas inconstitucionais no diploma que promulga a eutanásia. Em comunicado, a entidade judicial refere que, da apreciação efectuada, "não foi declarada a inconstitucionalidade da quase totalidade [das normas] que compõem o diploma".

Entre as normas declaradas inconstitucionais, há um artigo que, segundo o TC, viola a Constituição, que se refere às decisões tomadas entre um médico e um doente que pede morte medicamente assistida. Assim, é inconstitucional o facto de o médico acordar com o doente o método a utilizar para a realização da eutanásia, bem como dar autorização ao doente para escolher o procedimento a utilizar para a morte medicamente assistida. Além disso, permite que a eutanásia seja aplicada "de forma informada e consciente".

O TC considerou ainda inconstitucional o artigo que permite que a morte medicamente assistida seja efectuada sem análise de um médico especialista e, consequentemente, também contra o artigo geral "que legaliza, em determinadas condições, a morte assistida".

Segundo o comunicado do TC, no artigo "a morte medicamente assistida é considerada não punível quando ocorra por decisão da própria pessoa, maior de idade, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de extrema gravidade ou doença grave e incurável, quando praticada ou auxiliada por profissionais de saúde".

Para o Tribunal, é também inconstitucional o facto de o artigo exigir que o profissional de saúde que não queira proceder à morte medicamente assistida de um doente tenha de justificar as motivações que levam à recusa do ato médico.

Os juízes do TC fundamentam a inconstitucionalidade dos artigos no artigo 2.º da Constituição Portuguesa, que refere que "a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e garantia da efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes". O artigo da Constituição que diz que "a vida humana é inviolável" também foi considerado.

Segundo José João Arantes, presidente do TC, o diploma da eutanásia ainda não foi aceite "tendo em conta o parâmetro do artigo 24º, 1, da Constituição considerado isoladamente". José João Arantes diz ainda que o exercício da eutanásia deve "ser controlado com rigor e exigência extrema, porque se trata de uma decisão irreversível tomada por pessoas em situação de grande fragilidade", reiterando as inconstitucionalidades apontadas pelo TC no diploma aprovado pelo parlamento.

No Parlamento

Em Portugal, a eutanásia tem sido discutida desde 1995, altura em que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida debateu o tema pela primeira vez.

Em 2012, foram apresentadas cinco propostas diferentes sobre o testamento vital, que daria liberdade às pessoas para decidirem como gostariam de proceder com os seus cuidados de saúde. Pode dar ao doente a decisão de deixar por escrito se deseja continuar com determinados tratamentos, no caso de uma doença incapacitante. Após a aprovação desta medida, o debate sobre a morte medicamente assistida começou a estar mais presente na Assembleia da República.

Em 2015, nasceu o movimento "Direito a Morrer com Dignidade", onde foi apresentado um manifesto e partilhada uma petição que visava a despenalização da morte medicamente assistida. Assim, em 2018, os partidos mais à esquerda na Assembleia da República (BE, PS, PAN e PEV) apresentaram projectos de lei ao Parlamento que foram todos rejeitados.

Na legislatura seguinte, em 2021, os mesmos partidos e o IL apresentaram cinco propostas diferentes, que foram aprovadas mas vetadas pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, por considerar que os artigos não tinham "densidade normativa suficiente".

Após o veto de Marcelo Rebelo de Sousa, os projectos de lei foram melhorados, aprovados a 5 de novembro de 2021 e vetados dias depois devido a contradições nos conceitos de "doença grave apenas", "doença grave e incurável" e "doença incurável e mortal".

Em 2023, os conceitos foram reformulados, e foi acrescentada a possibilidade de o paciente ser acompanhado por um psicólogo durante o processo. De igual modo, decorre um período de dois meses entre o pedido de eutanásia e a realização do procedimento.

Agora, com o mais recente parecer do TC, o diploma terá de ser melhorado para que a despenalização da morte medicamente assistida possa ser efectuada em Portugal. No entanto, devido à proximidade de eleições, os trabalhos só serão retomados na próxima legislatura.