Milhares de contratos de arrendamento celebrados antes de 1990 mantêm-se em vigor, com valores de renda completamente desfasados da realidade económica e habitacional atual do país. O resultado é que muitos senhorios recebem rendas tão simbólicas que nem sequer conseguem cobrir os custos mínimos de manutenção dos imóveis. Este desequilíbrio é um dos fatores que alimenta a crise da habitação: desincentiva o arrendamento, leva à degradação dos edifícios e contribui para a contração da oferta.
Apesar das tentativas de modernizar o enquadramento legal com a introdução do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), em 2006, a transição para este novo modelo tem sido sucessivamente adiada. As exceções mantidas para os contratos antigos, ainda que justificadas por razões sociais, acabaram por cristalizar uma injustiça prolongada para os senhorios, que são obrigados a suportar o peso financeiro de uma política pública sem qualquer compensação.
As origens do congelamento de rendas em Portugal encontram-se na legislação do início do século XX e foram agravadas durante o Estado Novo, através da imposição de limites rígidos às rendas e sucessivas restrições à liberdade contratual. Após o 25 de Abril de 1974, a tendência agravou-se com medidas que suspenderam despejos e bloquearam atualizações de renda, consolidando um regime que se prolongaria por décadas nos contratos habitacionais anteriores a 1990.
Com a entrada em vigor do NRAU, aprovado em 2006, procurou-se estabelecer um sistema de atualização progressiva de rendas, nomeadamente através de um mecanismo de transição para o regime geral. No entanto, esta transição foi fortemente condicionada pela necessidade de proteger inquilinos idosos ou com baixos rendimentos.
A reforma de 2012 tentou, uma vez mais, aproximar as rendas dos valores de mercado, fixando prazos para a manutenção do regime anterior. Contudo, o programa “Mais Habitação”, mais recentemente introduzido, deu prioridade à proteção dos arrendatários com contratos antigos, mantendo na prática o congelamento e introduzindo novos entraves à transição dos contratos para o regime geral.
Este regime excecional persiste, ainda que com nuances, acabou por criar um mercado de arrendamento urbano profundamente assimétrico, com milhares de contratos ainda regulados por rendas desatualizadas e desalinhadas com o contexto económico e legal atual.
O congelamento continuado ao longo das décadas gerou um desequilíbrio profundo entre senhorios e inquilinos. Em muitos casos, os senhorios recebem rendas mensais inferiores a cinquenta euros - quantias que não chegam sequer para cobrir os custos básicos de manutenção e conservação - comprometendo o princípio da equivalência das obrigações, desincentivando o investimento e conduzindo ao abandono dos edifícios, com claras consequências para a qualidade de vida e segurança nas cidades.
Em Portugal, a narrativa dominante continua a opor proprietários a inquilinos, como se os interesses fossem inconciliáveis. No entanto, uma verdadeira política de habitação deve ter como objetivo o equilíbrio e a justiça contratual. Defender o fim do congelamento de rendas não é ignorar a fragilidade de muitos arrendatários, mas sim exigir que o Estado assuma a sua responsabilidade social. A subsidiação direta de rendas para famílias vulneráveis, combinada com mecanismos eficazes de transição, pode oferecer uma solução mais justa, promovendo a dignidade da habitação sem sacrificar os direitos dos proprietários.
A perpetuação deste regime revela não apenas uma inércia legislativa, mas uma escolha política que negligencia a importância de um mercado de arrendamento saudável. Se nada mudar, Portugal continuará a perder uma oportunidade crucial de regenerar os prédios existentes e de promover uma cultura de arrendamento moderna, estável e justa. O futuro exige coragem política e compromisso com soluções estruturais pondo fim a mais paliativos que prolongam injustiças históricas.
Os contratos estão congelados há mais de uma década e, surpreendentemente, justamente quando se esperava que esse congelamento chegasse finalmente ao fim, o Orçamento do Estado para 2025 trouxe uma nova surpresa. Este propõe “corrigir as distorções criadas nos últimos anos na legislação sobre arrendamentos urbanos, através da adoção das medidas necessárias para concluir os processos de transição dos contratos de arrendamento habitacional celebrados antes de 1990”. No entanto, até ao momento, não foram anunciadas medidas concretas neste sentido, e nada indica que o tão aguardado fim do congelamento, por que os senhorios esperam há tantos anos, venha efetivamente a concretizar-se.
Resta-nos agora esperar pelas eleições legislativas marcadas para maio, para ver se o pacote ‘Construir Portugal’ - que se encontrava a ser implementado pelo Governo e onde se incluía a prometida reforma da lei do arrendamento e o fim deste regime desigual e assimétrico – avançará de facto. Até lá, os senhorios terão de continuar à espera, pacientemente, pela justiça e proteção que lhes tem sido negada há demasiado tempo. À medida que o país olha para o futuro, deve comprometer-se com soluções que protejam verdadeiramente os inquilinos vulneráveis, restabelecendo ao mesmo tempo a justiça para os senhorios e revitalizando o mercado de arrendamento habitacional. Só assim poderemos ultrapassar décadas de desequilíbrios e construir um sistema habitacional justo, sustentável e preparado para o futuro.
por Inês Melo dos Santos, Associada Sénior da CCA Sociedade de Advogados.